Curiosidades do Paraná: você sabia que o estado já foi mais espanhol do que português? Acompanhe as histórias entrelaçadas entre o Paraná e as ondas espanholas para o Brasil.
“Hola, ¿cómo estás?”. Era esse o cumprimento mais ouvido no Paraná no período de colonização. Por conta da divisão dos territórios feita no Tratado de Tordesilhas, praticamente todo o Paraná, Santa Catarina e todo o Rio Grande do Sul eram de posse da Coroa Espanhola. A linha imaginária que cruzava todo o Brasil tinha uma divisão muito clara no Paraná: Espanha fica com o Oeste e Portugal com o Leste, ou seja, a costa.
Apesar das terras serem suas por direito, os espanhóis não conquistaram o Paraná logo de cara. Eram tantos territórios a serem explorados, tantos nativos e tão poucos exploradores que eles precisavam escolher suas batalhas. Porém, no final do século XVI, o governador da região onde hoje é o Paraguai, decidiu que precisava de mais do que ele tinha e resolveu começar a explorar todo aquele território verde e intocado que fazia fronteira com suas conquistas.
Os espanhóis começaram sua primeira investida de colonização para o lado de cá e deram início à fama de “Paraná Espanhol”, já que eles começaram a explorar o território antes dos portugueses e ensinaram sua língua, seus costumes e seus ofícios para os índios que habitavam a região. Confira a matéria e entenda como tudo aconteceu.
A primeira influência do Paraná Espanhol
Quando os exploradores europeus chegaram nas Américas, havia muito para se descobrir. Enquanto os portugueses focavam seus esforços na cana de açúcar no Nordeste e na capital Rio de Janeiro, os espanhóis expandiam a catequização dos índios e começavam a construir cidades no estado do Paraná.
A Coroa Espanhola exigia que, além da introdução ao catolicismo, os índios fossem ensinados a trabalhar em algum ofício. Em troca dos bons favores da Coroa, os índios deveriam “pagar uma taxa”, ou seja, prestar serviço aos seus colonizadores. Em bom português, o trabalho pesado e forçado era o começo do sistema de escravidão no produtivo solo do Novo Mundo.
A primeira cidade fundada foi Ontiveros, nas margens do Rio Paraná. A segunda foi chamada de Ciudad Real del Guaíra, localizada onde hoje encontra-se o município de Terra Roxa. A terceira e maior foi nomeada de Villa Rica del Espiritu Santu, fundada em 1570. Por conta de doenças e pestes na região, em 1989 a cidade se mudou para a região de Fênix, área central do estado.
Por trás de toda essa movimentação, haviam os interesses políticos de Domingues Martinez de Irala, o governador do Paraguai. Sua mente articulosa buscava um porto para Assunción, e a região de Paranaguá (na época com uma colônia portuguesa) era a mais indicada e promissora para sua empreitada. Sendo assim, lá se foi o governador paraguaio fundar vilas na região de Guaíra para se aproximar cada vez mais da costa, catequizar mais índios e ter mais braços para as batalhas contra as colônias de Portugal que estavam no caminho de sua conquista.
As esperanças de Domingues Martinez foram sufocadas quando os bandeirantes de São Paulo desceram ao sul dispostos e preparados para afugentar os espanhóis e capturar os índios para transformá-los em mão de obra agrícola em seus canaviais espalhados por São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia.
A missão dos bandeirantes paulistas sacramentou o fim do Paraná espanhol no século XVII. Villa Rica ainda foi ocupada pelos portugueses por três meses e depois destruída. Os habitantes de Guaíra, com medo dos ataques, fugiram e abandonaram a cidade em 1632.
Apesar do fim das cidades e da dispersão dos povos, a influência espanhola na região fincou raízes e influenciou a cultura e os costumes locais para sempre. Os espanhóis ensinaram ofícios importantes aos índios daquela época. Juntos, mas forçados, iniciaram a produção de tecidos, a forja de metais como o cobre e o ferro, e a primeira escola de música do estado. Além disso, mostraram como usar armas, como construir segundo os princípios da arquitetura que trouxeram da Europa, como movimentar a economia.
A segunda influência do Paraná Espanhol
O último século foi marcado por três grandes ondas migratórias que trouxeram espanhóis para o território verde e amarelo. A primeira foi até 1903, quando os europeus sofriam com o desemprego em seu continente e o Brasil estava em ascensão e precisando de mão-de-obra para produzir mais.
A segunda onda aconteceu entre 1910 e 1920, quando muitos europeus fugiram do Velho Continente porque além da miséria instalada, havia a guerra. Os navios espanhóis chegavam ao Brasil já com seus ocupantes com contratos de trabalho para os cafezais no Sudeste. Após cumprirem o tempo de serviço previamente estipulado, muitos espanhóis procuraram o Paraná para estabelecer uma nova vida com suas famílias.
Poucas décadas depois, entre 1950 e 1960, a última onda de espanhóis fugiu da Espanha impactada pela Segunda Guerra e da ditadura de Francisco Franco para pousar nas promissoras terras paranaenses. Estes espanhóis se instalaram na capital Curitiba e se dedicaram a promover o comércio, a gastronomia, a construção civil e outras profissões que fomentaram a economia local.
Culturas entrelaçadas
Atualmente existem 10 mil espanhóis natos no estado e a influência de sua cultura e costumes é inegável. Apesar da mudança de era para um mundo digital com conexões e informações rápidas através da internet, a cultura espanhola resiste ao tempo e é passada de geração para geração. O Centro Espanhol do Paraná mantem vivo as danças, o folclore e o idioma.
E a gastronomia? Ah, essa não se perde nunca! Em casa, avós ensinam suas famílias a amar uma paella bem temperada, fritar com perfeição os churros e aprender a receita tradicional da ensaimada, um doce típico de Palma de Mallorca que parece um pão doce enroladinho e que dá o match perfeito com o café da tarde.
A fama do bom manuseio de pedras e granitos não era só fama pode ser encontrada em grandes obras pela capital, como o Palácio do Governo, a Biblioteca Pública, o Tribunal de Contas e o Teatro Guaíra. A movimentada Praça da Espanha, no bairro do Bigorrilho, teve seu calçamento original feito por espanhóis. Construída a pedido do prefeito da época, em 1955, ela foi considerada uma homenagem “a essa Nação amiga que teve tanta influência no desbravamento do Brasil após a sua descoberta”.